Sobre bairros criados e desaparecidos da cidade do Rio de Janeiro

A criação e extinção de bairros no Rio de Janeiro revela tensões entre tradição, geografia urbana e interesses políticos. Propostas recentes geram críticas e apagam marcos históricos da cidade.

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Fábrica de Tecidos Confiança, na Aldeia Campista. Acervo Particular

A trajetória istrativa da cidade do Rio de Janeiro é muito singular, desde sua fundação oficial, no dia Primeiro de Março de 1565, tornando-se a segunda a receber este título privilegiado da Coroa Portuguesa, sucedendo a Salvador, fundada em 1549.

Por questões geopolíticas, com a descoberta do ouro nos sertões das Gerais, tornou-se capital do Vice-Reino, transferida da Bahia, em 1763. Após a chegada da Família Real, converteu-se em capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, entre 1815 e 1822. Com a Independência fez-se sede do Império do Brasil, entre 1822 e 1889, ando por Município Neutro, em 1834, até tornar-se capital da República, entre 1889 e 1960, quando Brasília foi inaugurada para abrigar o novo Distrito Federal e o Rio virou a cidade-estado da Guanabara. Em 1975, com a fusão do jovem estado com o Rio de Janeiro, recebeu o fórum de capital.

Por questões históricas e istrativas, não foi realizada uma possível definição geográfica para localização de seus futuros bairros. A cidade do Rio de Janeiro definiu o Centro, desde o período colonial, na área leste de seu território, como pode ser constatado no mapa do município, junto à margem ocidental da baía de Guanabara. Ou seja, o Rio nasceu sem região leste e assim permanece.

Mapa da Cidade do Rio de Janeiro

Caso o centro geográfico fosse efetivamente colocado na região central da antiga cidade-estado ou mesmo do município do Rio de Janeiro, no Parque Estadual da Pedra Branca, o bairro denominado Centro estaria na zona leste. A atual zona Sul está localizada no Sudeste geográfico, enquanto a Barra da Tijuca e adjacências, no Sul. Bangu, Realengo e vizinhança imediata, na Zona Norte. A região da Leopoldina está a Nordeste. Santa Cruz e Sepetiba, na Zona Oeste.

Portanto, a proposta em tramitação na Câmara de Vereadores desconhece os rudimentos da geografia quando coloca a Barra da Tijuca numa futura Zona Sudoeste, que é ocupada por Guaratiba.

A insistência em separar essa região do restante da cidade, já patrocinada por empresários representados por testas de ferro, não logrou êxito em seu plebiscito por falta de quórum. O atual proponente e demais defensores alegam uma distribuição mais justa de recursos. No entanto, outras regiões contam com grande arrecadação de impostos, principalmente advindos do setor terciário, como Madureira, Centro ou Copacabana.

Certamente tais “forças ocultas” tentam outra forma de separação, assim como as recentes investidas para criações de novos bairros, alguns com meia dúzia de vias, sem fundamentação consistente, senão as denominações populares, culturalmente suficientes para identificá-los.

istrativamente, a cidade do Rio de Janeiro é subdividida em nove subprefeituras, por sua vez, divididas em 33 regiões istrativas, e 166 bairros incluindo o recém-criado Argentino (Diário oficial de 25/05/2025), na Zona Norte, abrangendo uma área outrora pertencente a Brás de Pina. Essa divisão oficial em bairros é uma iniciativa relativamente recente, se considerarmos os 460 anos da cidade. Ocorreu através do Decreto nº3158, de 23 de julho de 1981, mas existia como forma de definição dos limites pela própria população

A aprovação da criação do Bairro dos Argentinos gerou a proposta do mesmo parlamentar responsável pela apresentação da medida, provavelmente visando agradar seu reduto eleitoral, para criação de dois outros pequenos bairros: Araújo, em Vista Alegre e dos Ingleses, em Maria da Graça

Residência no Bairro dos Ingleses, Maria da Graça, com tipologia normanda. Acervo Particular.

O conhecimento dessas iniciativas do Corpo da Câmara de Vereadores, que também propõe o aumento do número de componentes, assim como legislar sobre seus próprios interesses, sugere ao contribuinte que grandes problemas cotidianos, com transporte, trânsito, sinalização, pavimentação, excesso de ruído por toda a cidade, estão devidamente controlados ou até mesmo resolvidos.

Seria injusto não elogiar algumas medidas municipais relativas à cultura e saúde, principalmente quanto às campanhas de vacinação, mas hospitais municipais ainda necessitam de muitas melhorias. Se é tão necessário criar novos bairros, o resgate de alguns esquecidos, importantes na história da cidade, também poderia tornar-se pauta: Aldeia Campista, por exemplo, presente em crônicas de Nelson Rodrigues, que abrigava a Fábrica Confiança, dos Três Apitos, música de Noel Rosa, nos limites de Vila Isabel e Andaraí; a Boca do Mato, que integrava o bairro do Lins de Vasconcelos, na Zona Norte: Consolação, criado em 1928, desmembrado do Engenho Novo, depois reintegrado

Construção da Igreja de Nossa Senhora da Consolação e Correia Fonte: https://diariodorio.noticiasrn.info/

Esse caminho também pode levar à criação de outros novos bairros, cada qual com suas justificativas plausíveis: Barrinha e Jardim Oceânico, considerados sub-bairros da Barra da Tijuca; Bairro Peixoto, tradicional localidade incrustrada em Copacabana, com identidade própria que, apesar da denominação, não é reconhecido como unidade istrativa; Jardim Pernambuco, no Leblon; Joatinga, no bairro do Joá. A lista pode ser ampliada se alguns outros interesses dos proponentes forem mais importantes que a própria história e cultura da cidade.

Uma cidade com a tradição do Rio de Janeiro não necessita de novos bairros, de nomes chamativos, de notícias semanais sobre demolição de viadutos, estádios em nós viários, decretos que beneficiem apenas determinadas regiões ou redes hoteleiras.

A cidade deve considerar, em primeiro lugar, seus moradores, cariocas por nascimento ou opção, aqueles que sustentam economicamente e culturalmente o Rio de Janeiro, evitando fragmentação em novos pequenos bairros-condomínios com a implantação de cancelas, portões, criando cidadelas diante da falta de segurança pública que o governo estadual não consegue resolver.

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William Bittar
Carioca, arquiteto graduado pela FAU-UFRJ, professor, incluindo a FAU-UFRJ, no Departamento de História e Teoria. Autor de pesquisas e projetos de restauração e revitalização do patrimônio cultural. . Consultor, palestrante, coautor de vários livros, além de diversos artigos e entrevistas em periódicos e participação regular em congressos e seminários sobre Patrimônio Cultural e Arquitetura no Brasil.

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